O brasileiro é um dos povos com a pior qualidade de saúde mental do planeta. É o que mostra um relatório global publicado pelo Sapien Labs (EUA) neste mês sobre o bem-estar mental no mundo.
Estamos em sofrimento profundo, mas, como o sofrimento é psíquico, muitas vezes não fica tão fácil admitirmos os nossos males, como no caso das dores do corpo.
Reverter este quadro é urgente e não diz respeito apenas à oferta de terapia para população. Embora o acesso às psicoterapias seja importante, precisamos cuidar das condições de vida das pessoas, das suas relações com o trabalho e o lazer, com suas comunidades e com o planeta.
E também do fortalecimento de uma Cultura Psi. Por que insisto nisso? Uma das razões é porque ainda existe, entre nós, brasileiros, muita desinformação sobre o funcionamento da mente e os cuidados necessários à nossa saúde mental.
Outra razão é porque ainda existe muito preconceito em relação aos tratamentos disponíveis, assim como muito charlatanismo e pseudociência que confundem aqueles que, em seu sofrimento, conseguem superar os tabus e receios na busca por alguma ajuda.
As descobertas da psicologia, da psicanálise e da neurociência mostram que não basta ser um ser humano para conhecer o funcionamento do ser humano. Muitas vezes, os pontos de vista erigidos com base nas experiências individuais são contrários ao que dizem as ciências psis.
Assim, práticas antiéticas, calcadas em opiniões pessoais e muitas vezes conduzidas por pessoas mal treinadas são comumente oferecidas na composição desse mercado do mal-estar.
Confunde-se, comumente, o falso guru com o profissional sério. No mercado das almas desesperadas, a urgência por qualquer alívio dos sofrimentos do mundo interno desperta no incauto um excesso de disponibilidade crédula, tornando-o uma presa fácil para os charlatões.
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O exemplo do coach de masculinidade (nunca imaginei que pudesse existir tamanha bizarrice) que ameaçou dar um tiro em uma atriz chama atenção tanto pela truculência de sua presença no mundo, quanto pelo fato de que o produto ofertado por ele tem aceitação e rentabilidade mercadológica.
Assim como ele, muitos outros pseudoprofissionais da alma humana encontram terreno fértil no profundo sofrimento da nossa população para operarem seus mesmerismos.
Não surpreende que, a despeito de tanto despreparo, tornem-se mercadologicamente bem-sucedidos: em geral, utilizam o viciado repertório das promessas mágicas e simplistas, que isentam as pessoas da própria responsabilidade no processo terapêutico e, sobretudo, o que talvez seja mais grave ainda, aliena a pessoa da necessidade de atuação no contexto social produtor de seu sofrimento interno.
No caso do coach truculento, o apelo ao cliente não parece ser o cuidado consigo mesmo, com seu mundo interno, com as suas relações e com a ética que sustenta as suas ações, mas a culpabilização do outro – no caso, as mulheres – pelo próprio sofrimento.
A remediação das práticas psicoterapêuticas equivocadas – que muitas vezes são reproduzidas por pessoas até bem intencionadas – não é rápida nem simples, mas vem acontecendo. A dificuldade no processo se dá porque a crítica precisa ser feita com base em princípios éticos, clínicos e científicos, que exigem estudo e aprofundamento de toda essa miríade de produtos e promessas ofertadas no balcão do alívio.
Promessas que vão da cura definitiva até a iluminação, elevação espiritual, ou coisa parecida. Promessas que, por conta das possibilidades e limitações de seu campo de atuação, dificilmente seriam feitas por um psicólogo ou psicanalista que respeita e compreende as bases epistemológicas de sua ciência.
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Ainda sobre o relatório citado no início do texto, que denuncia a nossa miséria psíquica, a situação é ainda mais preocupante quando observamos que os jovens são os que sofrem mais.
Dados que nos fazem pensar que uma psicoterapia não deveria, jamais, caminhar no rumo da alienação.
Pelo contrário, se os jovens são o nosso futuro, então o profissional do mundo interno deve praticar, sempre, uma profunda reflexão sobre o nosso estilo de vida, nossos ideais e as nossas modalidades de relação.
Defendo uma Cultura Psi porque parece claro que o mundo que construímos e que estamos deixando de herança para os mais novos pode ser muito inovador, produtivo e dinâmico, mas parece foi projetado para que o ser humano não caiba dentro dele.