O trabalho tem uma importância decisiva em nossas vidas.
Por um lado, boa parte de como definimos o gênio humano parte da nossa capacidade de trabalhar e de transformar a natureza. Por outro lado, a nossa relação com a atividade laboral não acontece naturalmente.
Sabemos que o trabalho se transforma com o passar do tempo e, neste processo, engendra alterações na forma como apreendemos o mundo e como definimos a nossa humanidade.
Quando pensamos no trabalho no ocidente, da Antiguidade até o Renascimento, passando pela Idade Média, precisamos lembrar que ele não era considerado uma atividade nobre, mas algo a ser relegado aos servos ou aos escravizados.
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Essa forma de olhar para a atividade laboral mudou bastante desde a industrialização. Exemplo disso foi o surgimento do ideal do gentleman.
Sujeito modelo de sua época, o gentleman era sempre zeloso com o cumprimento de seus direitos e deveres, nunca estava atrasado e era reconhecido pela excelência e perícia com que executava o seu trabalho. Era o operário padrão.
A ideia do gentleman nasceu a partir das novas necessidades produtivas das sociedades industriais modernas. E orientou o imaginário social de toda uma época na direção daquilo que era esperado das pessoas em relação ao trabalho naquele período histórico.
Hoje, impulsionados pelas novas tecnologias e transformações históricas recentes, como a pandemia da Covid e o aumento do sofrimento mental, avançamos em direção a uma nova transformação no mundo do trabalho.
Que, esperamos, vai beneficiar a todos e melhorar a maneira como nos relacionamos com nós mesmos e com as nossas atividades laborais.
Os benefícios da semana de quatro dias úteis
A proposta de uma semana de trabalho com apenas quatro dias úteis surge em um contexto de exaustão psíquica e estresse que vem se abatendo sobre um número cada vez maior de trabalhadores.
Para saber mais sobre o assunto, estive com Juliet Schor, a pesquisadora-chefe da 4 Day Work Week, grupo que está conduzindo uma série de estudos e coordenando projetos pilotos em empresas do mundo todo.
Já foram feitos testes no Reino Unido, Estados Unidos e Canadá, por exemplo. E os resultados são extremamente promissores.
Além dos benefícios para os trabalhadores, as empresas também estão ganhando com a adoção de uma semana de quatro dias de trabalho e três dias de descanso.
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Do lado dos trabalhadores, observamos melhoras na saúde física e mental, mais bem-estar e satisfação com o trabalho. Ao fim do experimento, as pessoas se sentem tão produtivas quanto nos melhores momentos de suas carreiras e muitos afirmam terem recuperado o engajamento e o sentimento de realização com suas atividades.
Eles também se sentem mais felizes, relatam mais sentimentos positivos e reconhecem que o melhor equilíbrio entre vida profissional e pessoal é benéfico para as suas relações.
As empresas aproveitam igualmente os benefícios de uma semana mais curta. O modelo aplicado é conhecido como 100-80-100, ou seja, 100% do salário, 80% do tempo trabalhado, mas com 100% da produtividade assegurada.
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O que os experimentos demonstraram é que, mesmo com uma jornada de trabalho reduzida, os novos combinados e mudanças organizacionais que surgem são capazes de assegurar o funcionamento integral das companhias, seja no modelo de cinco, seis ou até mesmo sete dias por semana.
Muitas empresas ganham com a redução não só dos custos operacionais, mas dos custos com a rotatividade de pessoal, uma vez que conseguem atrair e reter mais talentos. Essas são apenas algumas das vantagens apresentadas por Juliet Schor durante a entrevista.
E, pela primeira vez, o sul global faz parte deste estudo com a participação do Brasil e da África do Sul. A partir desse mês, empresas interessadas em participar já podem se inscrever no site da iniciativa.
Mudar é possível
O trabalho possui uma função determinante em nossas vidas. Pode levar ao adoecimento, mas também à sanidade.
Quando trabalhei com a empregabilidade de pessoas com transtornos mentais graves pude observar como a oportunidade profissional era capaz de transformar a vida daquelas pessoas e oferecer lugares mais saudáveis no mundo.
Muitos apresentavam, depois de algum tempo exercendo uma profissão, melhoras mais significativas das suas condições de saúde mental do que muitas décadas de tratamento restritivo.
O que essas experiências mostram é que é possível transformarmos o próprio sistema produtivo para que ele se torne um aliado do aumento da qualidade de saúde mental e bem-estar psíquico das pessoas.
Confira abaixo a entrevista completa com Juliet Schor: