Qual era a sua matéria preferida na escola? As minhas eram história e geografia.
Desfrutei do privilégio de ter tido bons professores durante toda a minha vida, mas, quando se tratava dessas disciplinas, o destino caprichou ainda mais. Tive a honra de estudar história e geografia com professores de uma qualidade sempre acima do normal.
Lembro dos professores Aurélio e Edmundo, educadores libertadores. Tecelões do conhecimento, conectavam pensamentos e afetos, permitindo a verdadeira aprendizagem. Às vezes, me pergunto o que teria sido de mim se ambos lecionassem matemática e física. Teria eu me tornado um engenheiro?
Fico curioso em saber como foi para você, caro leitor, a trajetória na qual os professores nos ajudam a construir nossas inclinações profissionais a partir da aproximação dos saberes. São encontros assim que nos encorajam, que nos ajudam a crescer. E são encontros especiais também porque são muito saudáveis, do ponto de vista da saúde mental.
Por outro lado, sempre achei muito mais difícil aprender a matéria de um professor em cuja minha simpatia não se encontrava muito à vontade. Eram as disciplinas em que eu mais sofria para aprender, para suportar as aulas, para voltar na semana seguinte.
Sofrimento também reprova aluno. E estamos sendo reprovados quando se trata da saúde mental das relações escolares em nosso país.
Os números mostram que existe, hoje, um cenário preocupante de sofrimento entre professores e alunos. Para se ter uma ideia, nos primeiros seis meses deste ano, houve um aumento de 15% nos afastamentos de docentes da rede estadual de São Paulo em relação ao ano passado.
Foram 20.173 afastamentos relacionados à saúde mental, ou 112 professores e professoras por dia!
Depressão e ansiedade são as principais queixas relatadas. Mas a compreensão das causas desse problema é mais complexa do que as suas identificações diagnósticas.
Questões de saúde mental costumam ser complexas e polideterminadas. Quando buscamos pesquisas que nos ajudem a compreender este triste cenário, deparamo-nos com uma miríade de razões que escapam ao campo da saúde, mas que têm grande influência na vida e na mente desses profissionais.
Elas vão desde o lugar destinado ao professor em nossa cultura, até a precarização do trabalho, envolvendo o aumento de exigências sem o devido reconhecimento e a garantia de condições materiais para o desenvolvimento das tarefas. Ou, ainda, o número elevado de turmas por docente e a quantidade de alunos por turma.
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Além disso, um relatório apresentado recentemente mostra reflexos da pandemia. Em função de seus impactos traumatizantes, hoje, para 75% dos gestores municipais, a saúde mental de professores e alunos é a grande preocupação dos anos finais do Ensino Fundamental.
Por tudo isso, cuidar do bem-estar destes profissionais vai muito além da – fundamental – ação de profissionais das clínicas psi. É preciso atuar sobre várias frentes, com um olhar multidisciplinar, para endereçar ações que resultem em melhores condições de vida e de trabalho para os docentes.
Vocação não paga boleto, não assegura saúde mental e bem-estar psíquico. Todos sabemos que um trabalhador que se sente valorizado e reconhecido tende a extrair maior prazer de sua atividade e, por conseguinte, alcança maiores níveis de engajamento e produtividade.
Quando fui prestar o vestibular, uma psicóloga, ao saber da minha opção, tentou me dissuadir da escolha dizendo que eu passaria fome. Mas ela não sabia que eu tinha vários exemplos de dignidade e entusiasmo que me encorajaram a seguir meus sonhos.
Talvez a maior lição recebida daqueles meus professores tenha sido a crença de que é possível construirmos um mundo em que as pessoas exerçam suas profissões com entusiasmo e dignidade.
A saúde mental de uma comunidade escolar é um tema prioritário, pois uma comunidade escolar sofrida, como muitas estão, encontrará obstáculos para propiciar um ambiente afetuoso tão fundamental para a transmissão dos conhecimentos.
Não há aprendizado sem afeto e hoje isso significa um grande desafio.
Precisamos repetir a antiga lição que ensinava o valor de assegurar as estruturas mais básicas para que a comunidade escolar, sobretudo os professores, desfrutem de segurança e estabilidade para conduzirem as suas vidas pessoais e profissionais.